Por Marina Passos
Grandes cineastas nos permitem pensar em termos visuais. A linguagem do cinema, que diferencia-se da literatura na sua dimensão espiritual e produção de sentidos, possui uma forma única de expressar sentimentos, emoções e tecer comentários sobre a condição humana. Um grande exemplo disso é encontrado nas obras do cineasta sueco Ingmar Bergman, que abordavam temas como angústia, liberdade, ausência de Deus e morte. Como cineasta, expôs uma grande quantidade de tópicos da filosofia existencialista de Sartre em seus personagens e histórias.
Bergman nasceu em 14 de julho de 1918, em Uppsala, Suécia e faleceu em 30 de julho de 2007 em Fårö. Roteirista e diretor, alcançou fama mundial com filmes como O Sétimo Selo (1957), Morangos Silvestres (1957) e Persona (1966), e é conhecido por seu versátil trabalho de câmera e estilo narrativo fragmentado, que contribuiu para sua descrição sombria da solidão, vulnerabilidade e tormento humano.
Com proposições estéticas inovadoras, como já demonstrara anteriormente durante seus anos como diretor de teatro, a sua estreia no cinema inaugurou com um estilo que logo se tornaria inconfundível, criando, dessa vez no campo cinematográfico, uma arte de força poética e delicada enquanto ao mesmo tempo perturbadora e leve, sempre com um certo cunho pessoal. Trata-se do que mais tarde pode ser considerado o estilo bergmaniano.
O cinema de Bergman
Bergman trata do conflito humano em toda complexidade que se diz do artista que é. Filosofia e Psicanálise, por exemplo, estão presentes ao longo de toda sua trajetória, abordando complexas reflexões sobre a natureza humana. Comum em seu trabalho do final dos anos 50 em diante são personagens que vivenciam uma forte sensação de angústia e desesperança após questionar sua fé em Deus (O Sétimo Selo), o desmoronamento de sua psique pessoal (Através de um espelho) ou algum tipo de horrível tragédia em suas vidas (Gritos e Sussurros).
Um alto nível de atenção e sensibilidade diante dos detalhes são necessários para uma plena apreciação de sua obra. Um corte específico ou uma escolha de plano, uma angulação ou um movimento de câmera, são alguns recursos que podem ser observados como formas de criar sensações e expressar emoções ao narrar o enredo sobre o qual realiza cada filme.
Além disso, autonomia em relação ao roteiro, autorreflexão, tratamento irreverente do perfil psicológico dos personagens, cortes bruscos com a exploração de tempo e espaço subjetivos, e atitude existencial diante dos dramas humanos, são outras características que configuraram a marca autoral do diretor.
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Bergman já afirmou em entrevistas que seus filmes não se tratam de abordagens de cunho biográfico. Contudo, é possível observar as interlocuções entre autor e obra. O elemento autobiográfico é encontrado de forma recorrente nos filmes que tratam dos temas de velhice, morte, solidão, amor, decadência dos relacionamentos amorosos e descrença religiosa. Porém, são retratados de uma forma que salta do pessoal para o universal.
O sétimo Selo
O principal filme que levou Ingmar Bergman ao reconhecimento mundial, lançado em 1957, quando a poeira da Segunda Guerra Mundial começou a assentar. A Europa foi forçada a enfrentar a devastação causada dentro e fora de suas fronteiras e o derramamento de sangue levantou questionamentos sobre a benevolência e existência de Deus, culminando na questão candente, onde está Deus diante de todo esse horror? Embora Friedrich Nietzsche há muito tivesse declarado que Deus estava morto, se tornou exponencialmente mais evidente que um colapso completo das certezas religiosas era iminente. Pois, se Deus existisse, certamente a guerra o teria compelido a se revelar. No entanto, em meio aos destroços, ninguém pôde ser visto.
O filme conta a história de Antonius Block, um cavaleiro que, ao retornar das Cruzadas, encontra uma igreja ainda aberta no meio da Peste Negra e vai até lá se confessar. Falando a uma figura encapuzada meio vista através de uma grade de ferro, ele abre seu coração: “Minha indiferença me excluiu. Vivo em um mundo de fantasmas, prisioneiro de sonhos. Quero que Deus estenda a mão, mostre o rosto dele, fale comigo. Eu clamo por ele no escuro, mas não há ninguém lá. ” A figura encapuzada se vira e é revelada como a Morte, que tem seguido o cavaleiro em sua jornada de volta para casa.
Daí surgiu a premissa sobre a qual Bergman lançariam seus filmes mais existenciais – o silêncio de Deus deveria ser considerado uma prova irrefutável de sua inexistência?
Referências bibliográficas: TEIXEIRA, Antonio Alder. Estratégias narrativas na filmografia de Ingmar Bergman: o diálogo entre o clássico e o moderno.