Por Marina Passos
Quando Bong Joon-Ho ganhou o Oscar por Parasita, ele disse em seu discurso que, uma vez superada a barreira das legendas, as pessoas conhecerão muitos filmes incríveis. Um exemplo disso é Wong Kar-wai.
A questão das legendas pode ser um empecilho para o povo norte-americano – que se recusa a assistir qualquer coisa que não esteja em inglês, mas por aqui, elas são mais comuns no nosso cotidiano. Porém, ainda é preciso encarar o fato de que é muito difícil sair do circuito tradicional Estados Unidos-Inglaterra de filmes.
Mas Bong Joon-Ho estava certo: tem muita gente criativa no mundo inteiro fazendo filmes impressionantes e um deles é Wong Kar-wai.
O caleidoscópio de Wong Kar-wai
Wong Kar-wai é um dos maiores expoentes do cinema chinês e oriental. Seu trabalho influenciou diversos filmes consagrados em todo o mundo, estabelecendo-o como um dos autores mais reconhecidos e admirados do cinema contemporâneo.
Nascido em 1958 em Xangai, ele é conhecido por seus filmes atmosféricos que abordam temas como nostalgia, saudades e a passagem do tempo. Os críticos o aclamam como mestre da técnica cinematográfica e um artista romântico de primeira categoria.
O cineasta não gosta de trabalhar com o convencional. Ao longo de uma carreira de mais de 30 anos (e contando), roteiro nunca foi uma de suas prioridades. Logicamente, ele existe – sempre estruturado numa narrativa não linear – mas o talento de Wong para dirigir um filme não se resume apenas a histórias irregulares.
Na verdade, o grande destaque está em todos os outros detalhes envolvidos: na cinematografia belíssima dominada pelos contrastes e cores muito saturadas, na música atmosférica e no ar emocionalmente intenso que sempre consegue mesclar seu caminho entre seus personagens principais. Wong Kar-wai conseguiu criar um estilo não narrativo, lírico e abstrato a níveis inimagináveis.
Em outras palavras, seus filmes oferecem uma experiência sinestésica em detrimento de uma história convencional, e o público é hipnotizado pela beleza estética. O crítico de cinema Robert M. Payne afirmou em um artigo:
De todos os cineastas de Hong Kong que alcançaram reconhecimento mundial, o mais atípico é Wong Kar-Wai. Em vez de reificar gêneros de filmes e convenções de histórias, como a maioria de seus colegas fazem, Wong desafia as expectativas do público. Como os diretores do cinema New Wave dos anos 60, ele torna seus espectadores claramente conscientes de que estão assistindo a um filme, e de que a história que está sendo testemunhada é principalmente um evento mediado e não algo que deve ser aceito instantaneamente.
Mas ele faz isso sem obliterar os prazeres da narrativa: a centralidade da história, a psicologia dos personagens, as performances apaixonadas dos atores. Nadando contra as correntes conservadoras aparentemente irresistíveis do cinema contemporâneo, os filmes de Wong Kar-Wai buscam recuperar as possibilidades perceptivas da imagem em movimento na tela popular.
A música também assume um papel importante no cinema de Wong Kar-wai, como é possível ver logo na estreia do diretor com o longa As Tears Go By, de 1988, que apresentou um cover em cantonês da canção “Take my Breath away”. E em In the Mood for Love, uma das melhores cenas é quando “Yumeji’s Theme” começa a tocar quando o casal protagonista vai comer um rámen.
Não há diálogo e a canção transforma um acontecimento normal –ir à barraca de rámen – em uma valsa sedutora. Também não é possível esquecer de Chungking Express, que demarca sua influência na cultura pop com “California Dreamin”.
Chungking Express (1994)
Chungking Express é uma das obras que definiram o cinema dos anos 1990 e fez de Wong Kar Wai um ícone instantâneo.
Dois tristes policiais de Hong Kong (Takeshi Kaneshiro e Tony Leung Chiu Wai), ambos abandonados por ex-amantes, se cruzam na barraca de comida para viagem Midnight Express, enquanto um se apaixona por uma misteriosa contrabandista de drogas e o outro conhece a etérea garçonete Faye (Faye Wong).
Fallen Angels (1995)
As almas perdidas buscam conexão humana em meio a uma agitada Hong Kong.
Originalmente desenvolvida para ser um spin off de Chungking Express, Fallen Angels joga como o outro lado sombrio e temperamental de seu antecessor, enquanto mapeia os destinos sutilmente entrelaçados de um punhado de solitários urbanos.
Happy Together (1997)
Um dos romances mais marcantes da década de 1990, trata-se de um retrato cru e intenso sobre um relacionamento em colapso.
As estrelas de Hong Kong Tony Leung Chiu Wai e Leslie Cheung Kwok Wing são um casal viajando pela Argentina e presos num turbulento ciclo paixão e ciúme destrutivo que faz eles se separarem, se reconciliarem e se separarem de novo repetidas vezes.
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